TEXTOS
LINKS
M i t o   e   F i l o s o f i a

    Em Mito e Realidade (Editora Perspectiva, SP, 1972), Mircea Eliade (mitólogo), apesar de considerar difícil definir o que é "mito", dá uma definição: "o mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do "princípio". Em outros termos, o mito narra como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma instituição. É sempre, portanto, a narrativa de uma "criação": ele relata de que modo algo foi produzido e começou a ser. O mito fala apenas do que realmente ocorreu, do que se manifestou plenamente. Os personagens dos mitos são os Entes Sobrenaturais. Eles são conhecidos sobretudo pelo que fizeram no tempo prestigioso dos "primórdios". Os mitos revelam, portanto, sua atividade criadora e desvendam a sacralidade (ou simplesmente a "sobrenaturalidade") de suas obras. Em suma, os mitos descrevem as diversas, e algumas vezes dramáticas, irrupções do sagrado (ou do "sobrenatural") no Mundo. É essa irrupção do sagrado que realmente fundamenta o Mundo e o converte no que é hoje. E mais: é em razão das intervenções dos Entes Sobrenaturais que o homem é o que é hoje, um ser mortal, sexuado e cultural."
   Frisa Eliade: "o mito é considerado uma história sagrada e, portanto, uma "história verdadeira", porque sempre se refere a realidades. O mito cosmogônico é "verdadeiro" porque a existência do Mundo aí está para prová-lo; o mito da origem da morte é igualmente "verdadeiro" porque é provado pela mortalidade do homem..."(p.11 e 12).
Observa o autor que o mito de uma cultura sempre se refere ao princípio, ao momento inicial, à fundação, e que como tal, deverá ser seguida ou repetida ad infinitum com valor inquestionável.
  Alguns exemplos:

. Aruntas (Austrália): "Porque os ancestrais assim o prescreveram." Justificando suas cerimônias.
. Kais (Nova Guiné): "Foi assim que fizeram os Nemu (os ancestrais míticos) e fazemos como eles." Justificando os seus modos de trabalho e vida.
. Tibetanos: "Como foi transmitido desde o início da criação da terra, assim devemos sacrificar... Como fizeram os nossos ancestrais na antiguidade, assim fazemos hoje."
. Navajos ( Estados Unidos): "As mulheres devem sentar-se sobre as pernas, que estarão voltadas para um lado, e os homens com as pernas cruzadas à sua frente, porque foi dito que, no princípio, a Mulher Cambiante e o Matador de Monstros se sentaram nessas posições".

  Eliade conclui pontuando que viver os mitos implica em uma saida da vida cotidiana e um adentrar numa experiência sagrada de modo a reiterar os eventos míticos, em suma, "O indivíduo evoca a presença dos personagens dos mitos e torna-se contemporâneo deles." Deixa-se de viver no tempo cronológico e passa-se a viver no "tempo primordial".
Deste modo, o mito vivido pelas sociedades arcaicas:

1. Constitui a História dos atos do Entes Sobrenaturais;
2. Essa História é considerada absolutamente verdadeira (porque se refere a realidades) e sagrada (porque é obra dos Entes Sobrenaturais).
3. Que o mito se refere sempre a uma "criação", contando como algo veio à existência.
4. Que conhecendo o mito, conhece-se a "origem" das coisas e assim pode-se manipulá-las e dominá-las.
5. Que de uma maneira ou de outra, vive-se o mito, no sentido de que se é impregnado pelo poder sagrado e exaltante dos eventos rememorados ou reatualizados.