Meditações:
O que disse Nicholas Fearn em
"Aprendendo a filosofar" |
"O legado de Descartes
foi o início da filosofia moderna. Com seus desvarios da
juventude em mente, ele desejava elevar nosso conhecimento comum
sobre o mundo a uma posição tão segura quanto
as verdades eternas da geometria e da matemática. Em geral
reagims a nossos erros iniciais mudando nossas opiniões,
mas Descartes propôs a transformar o próprio método
pelo qual formava suas ideias. Se as chamadas "certezas"
filosóficas podem de fato ser postas em dúvida, ele
decidiu duvidar de todas até encontrar uma que fosse indubitável.
Esperava que, ao discernir o que tornava tal ideia inquestionável,
o mesmo método de corroboração pudesse ser
usado para reconstruir todo o edifício de seu conhecimento.
Descartes escreveu que seu método imitava o de um arquiteto.
Quando um arquiteto quer construir uma casa num terreno arenoso,
começa por cavar um conjunto de valas das quais remove a
areia, de modo a poder assentar suas fundações em
solo firme. Da mesma maneira, Descartes começa sua filosofia
tomando tudo que é duvidoso e rejeitano-o como areia. No
lugar da picareta ele emprega o método da dúvida para
limpar o terreno para o conhecimento.
A demolição começa
com os míseros sentidos humanos dos quais a maior parte de
nossas crenças deriva. Nossa vista e audição
por vezes nos falham e, como Descartes assinala, "É
prudente nunca confiar inteiramente nas coisas que nos enganaram
uma vez." No entanto, esses erros em geral são cometidos
quando algo está distante demais e é muito pequeno
para ser corretamente visto. Havia outras coisas das quais, embora
derivassem dos mesmos sentidos, Descartes simplesmente não
era capaz de duvidar: por exemplo, de que estava sentado ao pé
do fogo usando um manto de inverno. Não podeia lançar
dúvida sobre esses fatos a menos que fosse um louco, e recusava-se
a tomar os loucos por modelo. Havia ainda a possibilidade de que
não estivesse em absoluto sentado junto ao fogo, mas sim
adormecido e sonhando em sua cama. Sem o benefício da visão
retrospectiva, parece não haver nenhum meio conclusivo que
nos permita determinar se ele estava acordado ou dormindo. Muitos
de nós já tivemos sonhos intensamente vívidos
de cuja realidade estávamos convencidos até que acordamos.
A resposta de Descartes para esse problema é admitir que
está de fato sonhando, pois há coisas sobre as quais
ele não pode se enganar mesmo dormindo. Nem nossas visões
mais fantásticas são inteiramente novas. Os unicórnios,
que só existem na imaginação, não deixam
por isso de ser produto de coisas reais - isto é, chifres
e cavalos. Sem dúvida chifres e cavalos poderiam também
ser imaginários, mas ainda assim teriam de ser compostos
de cores reais. De mais a mais, dois mais três são
cinco, quer estejamos acordados ou dormindo. Descartes argumenta,
porém, que um Deus onipotente poderia ter feito com que não
houvesse terra nem céu, nem forma, tamanho, cor ou lugar,
mas que, não obstante, essas coisas parecessem existir. Alíás,
Deus poderia também ter levado Descartes a cometer um erro
cada vez que somava dois mais três. Presumivelmente Deus tem
mais o que fazer, mas o filósofo imagina haver um demônio
malévolo, supremamente poderoso e astuto, que dedica todas
as suas energias a enganar pobres filósofos pondo imagens
falsas diante deles e confundindo-lhes os cálculos. Esse
estratagema fornece a Descartes uma dúvida completamente
"hiperbólica" - a ideia de que todas as crenças
que alimenta poderiam de fato ser falsas e todas as suas percepções
ilusórias.
A saída fácil
seria duvidar da existência desse demônio, mas Descartes
opta por encará-lo. Mesmo que admita estar nas garras do
demônio, ainda há algo a cujo respeito não pode
ser enganado: o fato de que ele, Descartes, existe. Em uma das frases
mais famosas tanto da filosofia quanto do latim, declarou, "Cogito
ergo sum": "Penso, logo existo." Não lhe é
possível duvidar da própria existência, pois
para duvidar é preciso existir." FEARN, Nicholas, Aprendendo
a Filosofar. Jorge ZAHAR Editor. RJ, 2004, p. 78,79 e 80.
Comentário:
1º - Fearn chega até aí
utilizando a afirmação "Penso, logo existo"
que está no Discurso do Método. Na Segunda Meditação
aparece "eu sou, eu existo". Para que fique claro,
eu sou significa que Descartes existe enquanto pensamento,
não enquanto corpo.
2º - Quando Descartes enfrenta o gênio
do mal ele quer provar que o gênio é capaz de
torná-lo definitivamente cético, mas, o gênio
o faz duvidar de tudo, mas, Descartes não é
capaz de duvidar que está duvidando, ele é incapaz
de afirmar "eu duvido que estou duvidando" tendo
um resultado negativo. Esta afirmativa não dá
conta de negar a dúvida, ela é uma frase positiva,
ou seja, ela confirma a existência de algo que duvida.
Mas, duvidar é umas das formas de pensar, assim como
preocupar, raciocinar, imaginar etc. Logo, Descartes só
tem certeza que pensa, e que existe algo que pensa: sua mente.
Por isso, ele afirma ao final da Segunda Meditação:
"eu sou, eu existo". Portanto, Descartes existe
quando está duvidando, ou, pensando, quando tem consciência,
ou quando está consciente. |
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