A questão da subjetividade

  A idéia de modernidade está estreitamente relacionada à ruptura com a tradição, ao novo, à oposição à autoridade da fé pela razão humana e à valorização do indivíduo, livre e autônomo, em oposição às instituições. A crença no poder crítico da razão humana individual, a metáfora da luz e da clareza que se opõem à escuridão e ao obscurantismo, e a idéia de busca de progresso que orienta a própria tarefa da filosofia são alguns dos traços fundamentais da modernidade de Descartes.
  Se as instituições medievais (Igreja) e o conhecimento antigo (Aristóteles) não dão conta de justificar a ciência moderna, a opção encontrada por Descartes foi a interioridade do homem, ou seja através da razão humana, a luz natural que o homem possui em si mesmo, sua racionalidade, é possível justificar a ciência.
  Esse caminho já havia sido apontado por Montaigne, filósofo que exerceu grande influência sobre Descartes. Se pudermos recuperar essa luz natural, desfazendo-nos do saber errôneo que recebemos, poderemos então encontrar o ponto de partida para estabelecer a verdade sobre as coisas. A racionalidade pertence à natureza humana, e portanto o homem traz dentro de si a possibilidade do conhecimento. Este conhecimento foi no entanto deturpado e contaminado pelos erros da tradição, sendo necessário recuperá-lo. É este o sentido do subjetivismo de Descartes; a busca no indivíduo, no sujeito pensante, da fonte do conhecimento.: 'Mas depois que, por alguns anos, apliquei-me a estudar no livro do muno, e a procurar adquiri alguma experiência, tomei um dia a decisão de estudar também a mim próprio, e de empregar todas as forças de meu espírito na escolha dos caminhos que devia seguir.' O conhecimento da natureza, a 'leitura do livro do mundo', só pode ter valor se for precedido e acompanhado do autoconhecimento, da reflexão sobre o próprio sujeito do conhecimento.
  Descartes trabalha reflexivamente utilizando o método que deu título ao seu livro Discurso do Método. Em síntese, este método tem a característica de ser cético e ele se resume em quatro regras:
1ª Regra da evidência: jamais aceitar uma coisa como verdadeira que e não soubesse ser evidentemente como tal;
2ª Regra da análise: dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas partes quantas possíveis e quantas necessárias para melhor resolvê-las;
3ª Regra da síntese: conduzir por ordem meus pensamentos, a começar pelos objetos mais simples e mais fáceis de serem conhecidos, para galgar, pouco a pouco, como que por graus, até o conhecimento dos mais complexos';
4ª Fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais que eu tivesse a certeza de nada ter omitido'.    
  A questão da subjetividade na modernidade e dentro da teoria do conhecimento significa, portanto, este voltar de olhos para dentro do indivíduo, especificamente para a capacidade do indivíduo de pensar, raciocinar, elaborar hipóteses e teorias, tanto para explicar os fenômenos como para fazer com que aconteçam. Esta subjetividade não tem, portanto, nenhuma relação com sentimentos ou emoções de um indivíduo. A subjetividade na modernidade gerou o termo individualismo epistemológico, ou seja, o individualismo que se refere ao conhecimento e não à ética ou à política.
  Na elaboração do argumento do Cogito, Descartes procede a dúvida hiperbólica, ou seja, a dúvida radical a ponto de constatar que a única certeza é pensar. O Cogito revela: a existência do pensamento puro, o que é possível pela evidência do próprio ato de pensar. No entanto, sempre que se quiser ir além desse pensamento puro, desse pensamento que no máximo pode pensar a sim mesmo, reflexivamente, se encontrará a dúvida. Isso é chamado de solipsismo cartesiano, o isolamento do eu em relação a tudo mais: ao mundo exterior e ao próprio corpo, que é um elemento externo (à mente). O solipsismo é resultado da evidência do cogito, uma certeza tão forte que exige critérios tais que não são aplicáveis a nada mais. Como já foi dito anteriormente, o objetivo de Descartes é fundamentar a possibilidade do conhecimento científico, construir as bases metodológicas para uma ciência mais sólida, mais bem-fundamentada que a tradicional.
  Finalmente, o conhecimento é possível pois ao se pensar tem-se acesso às idéias inatas que já se encontram na mente.